terça-feira, 29 de julho de 2008

Após Doha, Brasil terá de fazer concessões à Argentina

BRASÍLIA - As divergências entre Brasil e Argentina nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) devem levar o governo brasileiro a buscar uma acomodação de interesses com o governo argentino no Mercosul, caso se chegue a um acordo em Genebra, onde estão os negociadores. Os argentinos se queixam de que o Brasil abandonou a defesa das indústrias do Mercosul contra pressões dos países ricos por maior abertura do mercado de bens manufaturados. Os brasileiros, inclusive do setor privado, argumentam que as propostas em discussão são aceitáveis, em troca do êxito da Rodada Doha.

Segundo diplomatas que participam das discussões do Mercosul, os atritos entre a cúpula das duas diplomacias na OMC não afetaram, até agora, o ritmo das reuniões técnicas do bloco, porque, na Argentina, os funcionários de menor escalão que tratam essas questões são um grupo diferente da equipe de negociadores na OMC. Um diplomata brasileiro lembrava ontem que o Mercosul não foi paralisado - ainda que as decisões dos últimos anos tenham sido modestas - nem durante a maior crise recente do bloco, em que Argentina e Uruguai quase romperam relações por causa da construção de indústrias de celulose na fronteira, em solo uruguaio.

Para André Nassar, diretor-executivo do Ícone, órgão técnico que assessora o setor agrícola nas negociações comerciais, o Brasil agiu corretamente ao evitar identificar-se com a Argentina, que também não teve o apoio nem do Uruguai nem do Paraguai em sua oposição a qualquer redução significativa nas tarifas industriais.

" Se aderisse à posição argentina, o Brasil seria visto como um dos que não querem que haja acordo " , diz Nassar. Entre as vantagens do " acordo medíocre " que poderia sair das discussões da OMC, ele aponta o fim dos subsídios à exportação, os limites aceitos pelos EUA para subsídios por produto e maiores cotas de exportação à Europa, principalmente de carnes.

Da mesma maneira, o Brasil teve de adotar uma posição que já era " previsível " , de descolamento, com apoio da Argentina, em relação às posições da Índia e da China, que querem o direito de aumentar tarifas de produtos agrícolas em caso de surto de importações. O problema, diz Nassar, é que, negociada em uma rodada que tem como objetivo a queda de barreiras à agricultura, a proposta da Índia e da China permitiria que eles aumentassem as tarifas de importação de alimentos até acima do máximo permitido atualmente.

" Seria um retrocesso inadmissível " , classifica o diretor do Ícone, que critica o Itamaraty por não ter deixado essa posição mais clara aos parceiros antes. Ele não acredita que as diferenças entre Brasil e Argentina em Genebra afetem substancialmente o Mercosul. Acredita, porém, que o Brasil será cobrado pela Argentina, por ter aceito medidas contra os interesses dos industriais do vizinho.

O ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, concorda com Nassar, sobre a pouca relevância dos desentendimentos em Genebra para o futuro da relação entre os dois países. Ele acredita que os dois países acabarão se entendendo. Um graduado diplomata, em Genebra, endossa a avaliação de que haverá negociações, no Mercosul, para acomodar as conclusões de Doha - com maior número de produtos argentinos protegidos na lista de mercadorias " sensíveis " , por exemplo. No entanto, os sucessivos impasses nas discussões em Genebra, já despertar dúvidas entre os brasileiros, se será necessária essa conversa. Afinal, podem fracassar as negociações desta semana.

(Sergio Leo | Valor Econômico)

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial